A escrita é um ofício solitário, onde o autor encontra sua essência ao longo do tempo e de modo muito autônomo e particular. Construindo, sozinho e aos poucos, uma espécie de personalidade artística que inclui estilo, ritmo, gênero, enfim, uma série de características que o definem.
Nessa construção, não existe certo ou errado. Cada um tem o seu processo de inspiração, rotina, maturação de ideias, etc. Alguns autores, por exemplo, gostam de horários rígidos para escrever, com planejamento e metas. Outros, porém, escrevem quando a inspiração vem, ao sabor do destino.
De qualquer forma, quase sempre ficamos curiosos sobre o processo de outros autores. Principalmente, os mais famosos. Será que Stephen King teve bloqueio criativo alguma vez na vida, ou Machado de Assis ousou duvidar do seu próprio potencial?
Para nossa felicidade, além dos livros biográficos, muitos filmes tratam da vida e obra de alguns escritores. É claro que a maioria dessas histórias reais foi romantizada, ou dramatizada, mais que o normal, para a adaptação cinematográfica. No entanto, a verdade de cada personagem permanece no resultado final. E, mesmo as obras ficcionais, trazem muito das peculiaridades dessa arte tão deliciosamente sofrida, que é a escrita.
Compartilho, então, dez filmes inspiradores que falam de autores e suas histórias pessoais:
1- Meia Noite em Paris (2011)
Como falar de filmes sobre a escrita e não citar essa obra-prima de Wood Allen? Nessa ficção, o escritor e roteirista Gil (Owen Wilson) vai à Paris com sua noiva e família. Entediado com a rotina de compras que sua futura esposa e sogra realizam, ele decide passear sozinho e descobre que, à meia-noite, existe uma forma de ser magicamente transportado à década de 1920, época em que Paris era considerada Cidade Luz, capital das artes, do requinte e do esplendor. Assim, ele tem a oportunidade de conhecer personalidades históricas e fantásticas desse período, como F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston), Ernest Hemingway (Corey Stoll), Salvador Dali (Adrien Brody), entre outros. Gil, que já trabalha como roteirista, busca validação como romancista e consegue a avaliação crítica de, ninguém mais, ninguém menos que a escritora e poetisa Gertrude Stein (Kathy Bates). O filme expõe as dúvidas do protagonista em relação à sua própria capacidade de escrever, além de revelar dicas sutis de escrita, ao longo da história.
2- O Mestre dos Gênios (2016)
Baseado em fatos reais, o filme conta a trajetória de Max Perkins (Colin Firth), um famoso editor literário norte americano, do começo do século XX, que aposta em novos talentos e descobre nomes como F. Scott Fitzgerald (Guy Pearce) e Ernest Hemingway (Dominic West), trazendo como ponto principal sua relação conturbada com o gigante literário Thomas Wolfe (Jude Law) e sua vida totalmente atormentada. Wolfe apresenta a Perkins originais enormes, os quais não aceita que sejam retocados. É curioso ver como funciona o trabalho de um editor, que precisa lapidar, cuidadosamente, as obras que recebe, antes de sua publicação. Outro ponto bastante interessante, discutido na trama, é como alguns autores têm grande facilidade de escrever muito, enquanto outros escrevem bem menos e, nem por isso, deixam de ser geniais.
3- Miss Potter (2006)
Também baseado em fatos reais, esse filme encantador conta a história de Beatrix Potter (Renée Zellweger), uma jovem cientista que escreve e ilustra histórias infantis cativantes como "Pedro Coelho", que foi adaptado para o cinema, recentemente. Beatrix Potter precisou vencer muitas barreiras para se tornar escritora, incluindo os preconceitos de sua época, a descrença em seu trabalho e uma mãe super manipuladora. No entanto, contra todas as expectativas, seus livros se tornaram grandes sucessos de venda. Um ótimo exemplo de como seguir adiante, em situações adversas, com persistência e coragem.
4- Autores Anônimos (2014)
Nessa ficção, um grupo de escritores iniciantes se reúnem, regularmente, para apoiarem, uns aos outros, na busca da tão sonhada primeira publicação. O filme, gravado ao estilo "reality show", acompanha a rotina diária de cada um deles, revelando bastidores nem sempre tão agradáveis. Nas reuniões, no entanto, quase todos se esforçam para demonstrar confiança, talento e certo apreço pela escrita dos colegas. Até que essa aparente harmonia é quebrada quando Hannah (Kaley Cuoco) surge como nova integrante e, pouco tempo depois, tem seu romance aceito por um editor. É interessante observar o que tornou o original de Hannah mais atraente para o mercado editorial e de como seu sucesso imediato passou a incomodar, mesmo que temporariamente, o restante do grupo.
5- As Palavras (2012)
O filme começa com o escritor Clay Hammond (Dennis Quaid) fazendo a leitura de seu último lançamento em uma universidade. Seu livro conta a trajetória de Rory Jansen (Bradley Cooper), um autor que não consegue sua primeira publicação e começa a duvidar de seu próprio talento. Até que, em determinado dia, ele encontra um manuscrito perdido e decide publicá-lo como se fosse seu. O livro foi um grande sucesso. Mas Rory logo descobre que não se consegue enganar a todos para sempre. Além da delicada questão do plágio, o filme expõe o processo de escrita do verdadeiro autor, que envolve muito sofrimento.
6- Mary Shelley (2017)
A trama biográfica relata a vida de Mary Shelley (Elle Fanning), britânica de 17 anos, e seu relacionamento romântico com o poeta Percy Bysshe Shelley (Douglas Booth). Filha do filósofo William Godwin e da feminista e escritora Mary Wollstonecraft, a jovem e tempestuosa Mary começou a escrever o que achou que seria uma história curta, em uma noite chuvosa, como parte de uma diversão entre amigos, que originou a obra-prima "Frankenstein ou O Prometeu Moderno", publicado, oficialmente, em janeiro de 1818. Apesar de sua vida abastada, Mary enfrentou vários dramas. Inclusive, possivelmente o maior deles serviu como dolorosa inspiração para seu livro. Um grande exemplo de como a dor pode ser sublimada através da arte.
7- Sem Limites (2011)
Esse filme ficcional conta a história de Eddie Morra (Bradley Cooper), um escritor estagnado por um grande bloqueio criativo. Tomado pelo desânimo, ele reencontra seu ex-cunhado, que lhe apresenta uma pílula que promete transformar qualquer um em gênio, instantaneamente. E o que parecia ser a fórmula mágica para um possível best-seller, acaba por prende-lo em uma rede de problemas aparentemente sem solução. O filme considera a genialidade como o conjunto de, entre outras habilidades, disciplina, auto cuidado e ousadia.
8- Magia além das palavras - A história de J. K. Rowling (2011)
Embora não tenha sido oficialmente permitido pela criadora de Harry Potter, este filme narra sua vida, expondo suas venturas e desventuras, como o casamento fracassado em Portugal e o período de pobreza e depressão que viveu após a separação, antes do primeiro livro da saga do bruxinho ser publicado. Rowling conseguiu driblar as inúmeras dificuldades, sem deixar de acreditar em seu sonho, mesmo sendo recusada por vários editores. Com tantos problemas, quem poderia imaginar o sucesso estrondoso que seu livros alcançariam?
9- Os Demônios de São Petersburgo (2008)
O filme conta as desgraças experimentadas pelo escritor Dostoiévski (Miki Manojlovic), desde sua prisão na Sibéria até as inúmeras complicações financeiras, além de um editor que o obrigava a escrever incessantemente. Aliás, por causa desse editor, Dostoievski conheceu Anna Grigorievna (Carolina Crescentini), uma estenógrafa - pessoa que consegue acompanhar, na escrita, a rapidez da fala* - que o ajudou a concluir a obra "Os Demônios", em poucos dias. Outro grande exemplo de genialidade e superação.
10- Histórias Cruzadas (2011)
Skeeter (Emma Stone), uma jovem americana recém formada, decide se tornar uma escritora. Motivada pela busca de um assunto original, escolheu o tema "a vida das empregadas domésticas", questão bastante polêmica para sua época, a década de 60, quando acontecia o "Movimento dos direitos civis dos negros", nos Estados Unidos. Ela, então, começou a entrevistar mulheres negras do Mississipi, coletando os mais variados depoimentos. O que tornou sua jornada de escrita maravilhosa... ora comovente, ora divertida, mas com uma grande e importante lição, ao final de tudo.
E você? Incluiria mais filmes à essa lista? Já viu algum desses elencados acima? Gostou ou não gostou de alguma indicação? Participe, deixe suas impressões nos comentários.
Grande abraço! :)
*Dicio - Dicionário Online de Português: <https://www.dicio.com.br/estenografo>
Autoria
Andreia Marques, fundadora da editora Panóplia, é psicanalista, filósofa, escritora, poetisa, mediadora de leitura, blogueira e designer. Publicou oito livros infantis, organizou e participou de diversas antologias. Nasceu no Rio de Janeiro, em 1978 e foi durante a infância que se encantou por literatura e fantasia, escrevendo sua primeira história aos dez anos, através de uma atividade escolar. Mais tarde, vindo a trabalhar como designer, encontrou no mundo das imagens uma outra forma de contar histórias e começou a produzir literatura infantil.
Instagram: @andreia.marques.autora