top of page

A Sombra do Sucesso: Entendendo a Autossabotagem e a Síndrome da Impostora

Atualizado: 6 de set.

Mulher triste olhando para a janela

Por Andreia Marques


Você já conquistou algo importante e, em vez de se sentir feliz e realizada, teve um pensamento paralisante como: "Isso foi sorte" ou "Eu não sou boa o suficiente, e uma hora vão descobrir"? Se a resposta for sim, você não está sozinha. Milhares de mulheres, de todas as idades e profissões, convivem com a autossabotagem e a Síndrome da Impostora. Vamos entender por que esses sentimentos surgem, sob a ótica da psicanálise.


A Luta Oculta por Trás das Conquistas

A autossabotagem e a Síndrome da Impostora não são sinais de fraqueza, mas sim reflexos de uma batalha interna complexa. A psicanálise nos convida a ir além da superfície e a entender que esses comportamentos têm raízes profundas, muitas vezes escondidas no nosso inconsciente. Eles não são um capricho, mas sim uma forma de o nosso aparelho psíquico tentar nos proteger de algo que, para ele, é ainda mais assustador do que o fracasso: a possibilidade do sucesso e as cobranças que vêm com ele.



A Raiz do Problema

O Inconsciente em Ação


Na psicanálise, não vemos a autossabotagem como uma simples falta de força de vontade. Ela é um ato profundamente enraizado em nosso inconsciente.


A Pulsão de Morte e o Desejo de Inércia

Freud nos apresentou a ideia da pulsão de morte (Thanatos), uma força que atua em oposição à pulsão de vida (Eros). Embora o nome possa soar dramático, essa pulsão não se manifesta apenas como autodestruição. Ela muitas vezes se expressa como um impulso à inércia, à busca do conhecido e à evitação da mudança. A autossabotagem, nesse sentido, pode ser um reflexo dessa pulsão, nos impedindo de avançar e nos mantendo em uma zona de "segurança" mesmo que ela seja dolorosa. É como se, inconscientemente, preferíssemos a dor conhecida à incerteza da felicidade e do crescimento.


Compulsão à Repetição: Revivendo o Passado

Você já se perguntou por que repete os mesmos erros? A compulsão à repetição é um conceito central da psicanálise. Ela explica o impulso inconsciente de reviver situações dolorosas, como uma tentativa de "dominá-las" ou "repará-las". No contexto da autossabotagem, isso se torna claro: se você foi constantemente criticada na infância, seu inconsciente pode te levar a repetir situações onde você é criticada ou rejeitada, pois é um cenário familiar, por mais doloroso que seja. Essa repetição é uma tentativa fracassada de ter um final diferente, mas que acaba reforçando o ciclo de autodestruição.


As Defesas Psíquicas e a Proteção do Inconsciente

Nosso aparelho psíquico, em um esforço para evitar a ansiedade, usa mecanismos de defesa. Na autossabotagem, esses mecanismos trabalham para nos manter em um lugar de aparente segurança.


Negação: O mecanismo mais comum é a negação da própria capacidade. "Não fui eu que conquistei, foi sorte." Essa frase é uma forma de o inconsciente negar que você é capaz, porque se você for, terá de lidar com as expectativas e pressões que vêm com o sucesso.


Projeção: A projeção é quando transferimos nossos próprios sentimentos para os outros. Em vez de admitir a nossa insegurança ("Tenho medo de tentar e fracassar"), projetamos a culpa em fatores externos ("Não consigo porque meu chefe não me apoia", "A empresa não valoriza o meu trabalho").


Identificação com o Agressor: Esse é um mecanismo complexo. Uma mulher que cresceu com pais muito críticos, por exemplo, pode internalizar essa voz e se tornar sua própria crítica implacável. Ela assume o papel do "agressor" do passado, sabotando-se para evitar que outros o façam. A Síndrome da Impostora é, muitas vezes, a voz desse "agressor" interno que nos acusa e nos diminui.


A Síndrome da Impostora na Prática: Estudos de Caso e Exemplos

Para ilustrar como a Síndrome da Impostora e a autossabotagem se manifestam, vamos conhecer algumas "personas" que representam a realidade de muitas mulheres.


O Caso da Perfeccionista: Ana, uma designer talentosa, entrega um projeto apenas quando ele está absolutamente perfeito. Ela revisa e refaz tudo inúmeras vezes. Mesmo recebendo elogios, ela sente que o trabalho não está bom o suficiente. A perfeição para Ana não é uma busca por qualidade, mas uma defesa contra o fracasso.


O Caso da Mulher-Sorte: Joana, que foi promovida a um cargo de liderança, não consegue se sentir digna. Ela acredita que a promoção foi uma coincidência e que uma hora "vão descobrir" que ela não merece. Atribuir o sucesso à sorte é uma forma de seu inconsciente evitar a responsabilidade e o medo de falhar na nova função.


O Caso da Super-Humana: Camila, para provar seu valor, assume múltiplas responsabilidades e trabalha incansavelmente. Ela aceita cada tarefa, sem pedir ajuda, até o ponto de exaustão. A Síndrome da Impostora a leva a sentir que precisa se esforçar o dobro para ser metade do que os outros são.


Em cada um desses casos, a psicanálise nos ajuda a questionar: "O que o sucesso significa para essa mulher? Por que ela precisa se proteger dele?" A resposta está na história de vida, nos ideais inatingíveis e nas mensagens que ela internalizou.



A Jornada de Autoconhecimento

Exercícios e Reflexões


A jornada para superar esses desafios começa com a coragem de olhar para si mesma.


Exercício 1: Diário:

Instrução: Anote por uma semana todas as vezes que um pensamento de "sou uma impostora" surgir. Descreva a situação, o que você estava fazendo e como se sentiu. Ao final, analise os padrões. O que esses momentos têm em comum?


Exercício 2: Linha do Tempo da História Familiar:

Instrução: Crie uma linha do tempo e anote eventos significativos da sua infância e adolescência relacionados a sucesso e fracasso. Que tipo de mensagens seus pais ou cuidadores te transmitiam? Por exemplo: "Aos 8 anos, minha mãe dizia que eu precisava ser a melhor para ser notada". Analise como essas mensagens ecoam em você hoje.


Exercício 3: Carta ao Meu Eu Impostor:

Instrução: Escreva uma carta para a parte de você que se sente uma fraude. Nomeie os medos, as críticas e a insegurança que ela representa. Depois, "responda" a essa parte, não negando sua existência, mas acolhendo-a e afirmando sua própria verdade.



O Papel da Psicanálise na Superação


O processo analítico não é sobre "curar" a síndrome, mas sobre dar sentido a ela. Um psicanalista oferece um espaço seguro para que você explore as raízes da autossabotagem.


O Espaço de Escuta: O analista te escuta sem julgamentos, permitindo que você diga o que sente sem medo de ser avaliada. Nesse espaço, a história que seu inconsciente tenta manter escondida pode finalmente vir à tona.


A Transferência: Na relação com o analista, você pode reviver e reelaborar padrões de relação passados. Por exemplo, se você tem dificuldade em pedir ajuda, pode notar que também tem dificuldade em pedir ajuda ao seu analista.


Dando um Novo Olhar ao Passado: A psicanálise não muda o que aconteceu, mas te ajuda a dar um novo sentido aos eventos do passado. A partir disso, você consegue entender por que seu inconsciente criou as defesas que te protegem e, assim, você pode, aos poucos, abrir mão delas.


Uma Jornada de Acolhimento e Crescimento

A autossabotagem e a Síndrome da Impostora são como sombras que nos perseguem. Elas só perdem a força quando as iluminamos com o conhecimento sobre nós mesmas e com a coragem de enfrentar nossos medos mais profundos. O sucesso real não está na perfeição, mas na capacidade de ser vulnerável, de aceitar nossas imperfeições e de celebrar a nossa jornada, com todos os seus desafios e conquistas.


Se você sente que a autossabotagem e a Síndrome da Impostora têm te impedido de viver plenamente, a psicanálise pode ser o caminho para entender e transformar essa realidade.







Comentários


bottom of page