Relações Afetivas: Desvendando Padrões Repetitivos
- Andreia Marques

- 3 de set.
- 5 min de leitura
Atualizado: 6 de set.

Por Andreia Marques
Você já se pegou no meio de uma discussão com o seu parceiro e teve a nítida sensação de que já viveu aquela cena antes? Talvez o roteiro tenha mudado, mas o enredo é o mesmo: a mesma frustração, a mesma cobrança e, no fim, o mesmo vazio.
Nós entramos em relacionamentos com a esperança de que algo novo e diferente aconteça, mas, muitas vezes, nos deparamos com a repetição de um roteiro conhecido, onde os papéis parecem ser sempre os mesmos, apenas com atores diferentes. Buscamos o amor, mas encontramos o abandono. Desejamos a segurança, mas nos vemos repetidamente em relações com parceiros indisponíveis ou emocionalmente distantes.
A psicanálise nos convida a olhar para essa repetição não como um mero acaso, mas como um convite para o autoconhecimento. A resposta para "por que a história se repete?" não está no mundo lá fora, mas nas complexas dinâmicas do nosso inconsciente. Este material é um convite para que você mergulhe nessa jornada e entenda como as suas primeiras experiências afetivas moldam as suas escolhas atuais, e como é possível reescrever essa história.
O Inconsciente no Comando
Para a psicanálise, não somos totalmente donas de nossas escolhas. Por mais que tenhamos consciência de querer um relacionamento saudável, uma força invisível parece nos puxar para os mesmos padrões disfuncionais. Essa força é o nosso inconsciente, e seu principal motor, nesse contexto, é a compulsão à repetição.
A Força Oculta da Compulsão à Repetição
Freud, o pai da psicanálise, descreveu a compulsão à repetição como um impulso para reviver experiências do passado, mesmo que elas tenham sido dolorosas. Por que faríamos algo assim?
A teoria é que o nosso inconsciente tenta, de forma incansável, dominar o que foi insuportável na primeira vez. Reviver um trauma, uma carência ou uma rejeição é uma tentativa de ter um final diferente. É como se a nossa mente dissesse: "Desta vez, eu consigo controlar o roteiro. Desta vez, eu não serei abandonada. Desta vez, serei amada". Mas, na maioria das vezes, o que acontece é uma dolorosa reencenação, que reforça a nossa crença de que estamos presas em um ciclo sem fim.
Por Que Insistimos no Que Dói?
A repetição oferece uma falsa sensação de segurança. Por mais doloroso que um padrão seja, ele é conhecido. O desconhecido, que seria uma relação saudável, pode gerar medo.
Outro ponto crucial é que a compulsão à repetição nos mantém em um lugar de estagnação, nos impedindo de avançar. Ao nos prendermos ao passado, não temos energia psíquica para construir um futuro diferente. É um ciclo vicioso: a repetição alimenta a nossa dor, e a dor nos faz repetir.
A Criança que Vive em Nós
As nossas primeiras relações de afeto são a matriz de todas as relações futuras. A forma como fomos cuidadas, amadas e, principalmente, a forma como fomos decepcionadas, se torna o "modelo" que usamos para nos relacionar com o mundo.
As Marcas dos Nossos Primeiros Laços
A Relação com a Mãe: A primeira relação de amor e afeto é com a figura materna (ou cuidadora principal). Essa relação estabelece as bases da nossa capacidade de amar e ser amada. Se essa relação foi marcada por carências ou instabilidade, a tendência é que busquemos parceiros que de alguma forma repitam essa dinâmica.
A Relação com o Pai: A figura paterna, na psicanálise, é quem introduz a lei e a interdição, a separação entre a criança e a mãe. A forma como essa relação se dá influencia na nossa capacidade de nos relacionar com a autoridade, com as regras e com os limites.
O Complexo de Édipo e de Electra: Esses complexos, conceitos fundamentais da psicanálise, descrevem as fantasias sexuais e agressivas da criança em relação aos pais. A forma como esses conflitos são resolvidos molda a nossa identidade e as nossas escolhas futuras. Em essência, as nossas primeiras "escolhas de amor" são por nossos pais, e as relações adultas podem ser inconscientemente influenciadas por esses primeiros modelos.
O Espelho do Outro
Nós não escolhemos um parceiro ao acaso. Inconscientemente, buscamos em quem se relaciona conosco um "espelho". E nesse espelho, esperamos encontrar reflexos da nossa própria história e das nossas necessidades não atendidas. A busca por um parceiro que nos entenda, que nos salve, que nos complete, é na verdade a busca por uma solução para um problema que, na verdade, está em nós.
O Encontro com a Sombra
Padrões Comuns
As repetições se manifestam de diversas formas nas relações. Identificar o seu padrão é o primeiro passo para rompê-lo.
O Padrão do Indisponível
Você se sente atraída por pessoas que não podem te dar o que você precisa? Parceiros que estão em outro relacionamento, que vivem muito longe, que são emocionalmente fechados ou que nunca se comprometem?
O que a psicanálise diz: Essa escolha pode ser uma repetição de uma relação inicial com uma figura de afeto indisponível (um pai ausente, uma mãe emocionalmente distante). O seu inconsciente busca o que é familiar, mesmo que seja doloroso.
O Padrão do Salva-Vidas
Você costuma se envolver com pessoas que precisam ser "salvas"? Parceiros que têm problemas financeiros, emocionais ou com vícios? E você assume o papel de cuidadora incansável, enquanto suas próprias necessidades são deixadas de lado.
O que a psicanálise diz: Essa dinâmica pode estar ligada a uma tentativa de consertar algo do passado, de se sentir útil e de compensar um vazio. Ao "salvar" o outro, você busca o reconhecimento e a validação que não recebeu na infância, projetando-se em um papel de heroína.
O Padrão do Abandono
Você se sabota no auge de um relacionamento? Causa brigas ou ciúmes para testar o amor do outro e, no fim, acaba sendo abandonada?
O que a psicanálise diz: O medo de ser abandonada é tão grande que você prefere controlar a situação e "dar o golpe primeiro". É uma forma de reviver um abandono do passado, mas desta vez, você está no controle. É uma defesa desesperada contra uma dor que se repete.
Rompendo o Ciclo
O primeiro passo para a mudança é a consciência. Reconhecer o seu padrão já é uma vitória. O próximo passo é dar um novo sentido à sua história.
A Importância do Luto Afetivo
Toda relação que termina precisa ser elaborada, ou seja, vivida e sentida em sua totalidade. O luto não é apenas sobre a morte, mas sobre a perda: a perda de uma pessoa, de um projeto de vida, de um futuro imaginado. Não fazer o luto corretamente é como carregar um peso para a próxima relação.
Fazendo as Pazes com a Sua História
Não se trata de culpar seus pais ou seu passado, mas de entender como eles te moldaram. Ao nomear e dar sentido às suas experiências, você tira a força que o inconsciente tem sobre elas e começa a construir uma nova narrativa para si mesma. Você se torna a protagonista, e não a vítima.
O Papel Transformador da Terapia
Muitas vezes, a compulsão à repetição é tão forte que não conseguimos nos libertar dela sozinhas. Dizer o que sente, o que pensa e o que viveu é o início do processo de dar sentido.
O terapeuta, com seu olhar treinado, te ajuda a ver o que você não consegue enxergar. Ele é um espelho que reflete as suas atitudes. Elabore os conflitos: Através da análise, você pode reviver e ressignificar os traumas e as dores do passado. Isso te liberta do impulso de repeti-los.
O Primeiro Passo
A autossabotagem e a Síndrome da Impostora são como sombras que nos perseguem, mas elas só perdem a força quando as iluminamos com o conhecimento e a coragem de enfrentar nossos medos mais profundos. O verdadeiro sucesso não está na perfeição, mas na capacidade de ser vulnerável, de aceitar as nossas imperfeições e de celebrar a nossa jornada, com todos os seus desafios e conquistas.
Cuidar da sua saúde mental é um ato de amor-próprio que te permite viver com mais leveza, autenticidade e propósito.

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